Tradutor

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

OS CAMINHOS DE QUINGOMA

 Foto Andréa Mota
A primeira visita a Quingoma foi marcada por uma intensa chuva, que impossibilitou de nós sequer descermos do carro. Era apenas uma visita para falar com D. Raquel para tratar de espaço para as oficinas e a participação de quem faria as aulas de circo e teatro.

Quando finalmente conseguimos tocar o chão de Quingoma, a impressão é de um lugar preservado, onde pouco mudou no decorrer do tempo. A estrada de terra batida, o intenso verde marcado pela mata que cerca a comunidade, as casas humildes e serenas. D. Raquel sempre receptiva nos recebeu e abriu a porta da comunidade. Falava sempre apontando onde tinha tudo o que precisávamos, e sempre contando uma história para fundamentar a narrativa. Dessa maneira ficamos conhecendo um pouco da história de Quingoma, conhecido na cidade Lauro de Freitas como reduto do Samba de Roda. Do fato de Quingoma ser um reduto quilombola, do avanço imobiliário que preocupa os seus moradores mais antigos, das dificuldades e prazeres em morarem numa região tão abastada de natureza.

Contudo, é necessário saber que quem faz a comunidade são seus moradores. Dessa maneira tivemos a oportunidade de conhecer pessoas importantes que trazem na sua bagagem a história de uma vida de trabalho e de luta para manter o respeito, a dignidade, e não deixar cair no esquecimento as tradições dos seus mais antigos moradores, repassando uma cultura forte para os quingomeiros mais novos. Por essa razão D. Raquel falou muito do projeto Fincando Raízes, que lida com a questão das manifestações culturais, onde as crianças têm aulas de capoeira, maculelê, samba de roda, cantigas populares.

Entre as pessoas que tivemos o prazer de conhecer e conversar, duas foram marcantes. A primeira pessoa foi Seu Francisco, senhor de 82 anos que ainda mantêm as suas atividades e trabalha para atender o seu povo. Ele é responsável pela construção do chafariz, que abastece a todos com água limpa. Seu Francisco conversa sobre tudo, e conta como saia no início da madrugada para vender produtos na Feira de São Joaquim, numa viagem que chegava a durar 6 horas de jegue.

Outra pessoa marcante nas andanças por Quingoma é Seu Fernando, de 62 anos, negro de estatura baixa que é conhecido pelo apelido de pajé, por seu conhecimento em folhas e ervas para chá, tratando as mazelas das pessoas a base de garrafadas de infusão. Simpático contador de histórias, percebe a mudança que aconteceu em Quingoma como uma transformação necessária para o bem estar dos seus moradores na mesma proporção que se preocupa com os caminhos que os jovens quingomeiros estão seguindo. Homem de risada fácil e uma voz com timbre forte, demonstra segurança na sua sabedoria adquirida durante seus anos. Sabe que um homem da terra, e sabe viver dela como poucos.

Assim seguia os dias de nossa convivência em Quingoma. Ás vezes era vontade pendurar uma rede em duas árvores e deitar para ver o seu cotidiano. Fazer parte dessa rotina foi importante para desmistificar a imagem que Quingoma mostra para a maioria da cidade de Lauro de Freitas como um lugar atrasado, perdido no meio do mato. Mas é bom saber que quem mora em Quingoma não se muda de lá, e de lá olha para a cidade que lhe rodeia com receio de que a paz seja invadida pela correria que toda cidade tem.
Texto : Tiago Chaves

Nenhum comentário:

Postar um comentário